Histórias da Unisc
PARA NUNCA ESQUECER
Eliane Hagemann Cauduro
Quarenta e cinco por cento dos meus trinta e três anos de vida tiveram vínculo direto com a UNISC. Comecei aluna e permaneço funcionária, enquanto o tempo passa e as coisas se modificam, alheias ou não à minha existência ou colaboração. Nesse constante sentido de impermanência observo, há muito, a Universidade cada vez mais arraigada em Santa Cruz do Sul, construindo sua história num abraço comunitário e de desenvolvimento regional.
Enquanto o tempo passa, volta e meia chega a hora de abrir a gaveta da memória e da escrivaninha, resgatar fotografias meio empoeiradas e relembrar bons momentos. De tantas e tantas lembranças, uma das mais queridas é a do dia dois de julho de 1993, quando festivamente a FISC se vestiu de UNISC e desfilou pelas ruas da cidade numa carreata histórica. Ninguém trabalhou naquela sexta-feira, exceto para decorar carros, caminhonetes e caminhões. Encomendamos bonés brancos com a logomarca azul da universidade, escolhida no mesmo ano em um concurso aberto à comunidade. Alguém arranjou um compressor de ar e passamos a tarde a encher balões, que soterraram o Escritório Central com seu colorido intenso. Caminhões e carros foram envoltos em papel crepom, flores, faixas, milhares daqueles balões e muitos risos de pura felicidade. Todos nos sentíamos um pouco responsáveis pela conquista naquele dia de “vestir a camiseta” em público.
Havia sido instituída, silenciosamente, uma espécie de competição de criatividade entre os funcionários do prédio do Centro e os do Campus, para onde nos dirigimos ao final da tarde, com nosso caminhão colorido e apinhado de gente. A temperatura indicava que a noite seria tipicamente invernal. Tomamos a frente na longa fila que se foi formando, aos poucos, em frente ao Ginásio. Conseguimos uma bandeira imensa da Universidade, afanada nem sei onde, levada para junto de nós sob aplausos entusiasmados. E a Vera, porque estava grávida, teve o privilégio de ser nossa porta-estandarte. Desculpa esfarrapada para exibir o barrigão na primeira página do jornal, no dia seguinte. Tudo, aliás, era desculpa para o riso solto e brejeiro, brincadeiras ou qualquer outra forma de extravasar a euforia pela comemoração.
Estabeleceu-se, durante os preparativos, uma gritaria generalizada de professores, funcionários e alunos. Ônibus lotados chegavam de outras cidades para participar do desfile, cheio de faixas e gente pendurada nas janelas. A rua diante do Ginásio virou um lamaçal pisoteado e ninguém se importava com a sujeira. Naquela época ainda não havia asfalto, nem o pórtico havia sido imaginado, era apenas uma estradinha de terra cercada de mato. De repente, da sede dos funcionários, desceu um caminhão com os funcionários do CPD e – covardia pura, conseguiram ser os mais criativos – uma escola de samba inteira em cima! Vinha tão lotado que parecia acompanhar o batuque e a cantoria com seu sacolejar manhoso. Que festa!
Quando iniciou o desfile já estava escuro e fazia um frio de congelar a respiração. Santa Cruz inteira saiu de casa para admirar o extenso minhocão luminoso que serpenteava pelas ruas e aumentava a cada metro percorrido. Quando passamos diante do prédio do Centro, explodiu um foguetório contra o céu. Olhamos para cima e lá estava o Fernando, o Antônio e o João, em pé sobre o telhado, acenando com as mãos cheias dos invólucros dos fogos. Assim foi em vários outros pontos do percurso: foguetes, buzinas e muita comemoração. Uma festa de todos, pura emoção, Dizem que circundamos a cidade inteira em um grande anel de luz. As pessoas tinham consciência de que nunca mais seria como antes. O município havia ganho um presente.
A festa continuou no Ginásio, com muita música e cerveja até o amanhecer. Dançavam nas quadras e se congratulavam, lado a lado, professores, autoridades, funcionários, alunos e pessoas da comunidade.
Todos bem-vindos, necessários, importantes e vencedores. Depois a festa acabou. Ficaram a ressaca e boas recordações. Fomos embora para o final da semana que nos esperava em casa, sabendo que segunda-feira seria o primeiro dia de trabalho na UNISC. Felizes em fazer parte da história de sua criação e poder carregar conosco lembranças tão importantes.
Hoje, a cada aniversário comemorado, reunimo-nos, os funcionários daquela época, e contamos tudo outra vez, com detalhes, a quem chegou depois. Já estão habituados a ouvir anualmente a mesma história, sem reclamar. Talvez se divirtam com nosso jeito saudoso e eufórico de falar, ou achem engraçado – ou muito bobo – o que aconteceu. O mais provável é que vejam o brilho úmido dos nossos olhares cúmplices e compreendam que há muito mais que nos une à Instituição do que o vínculo empregatício.